Hojoki, Visões de um Mundo em Convulsão |
Monja Coen Sensei |
Nestas alturas solitárias, ele escreveu o Hokoji, um livro extraordinário que descreve tudo o que Chomei viu das misérias humanas, e também de sua nova vida de tarefas simples, caminhadas e atos de bondade. O verso de Chomei revela em suas imagens e cadência a transitoriedade do universo e as oscilações do coração humano. No entanto, no final ele questiona sua própria sanidade e a integridade de seu propósito.
Teria ele se tornado apegado demais a seu desapego, a sua rústica cabana e a seu auto-imposto exílio? Diz ele: "Terá esta minha mente incessante servido apenas para me tornar louco? Para todas estas questões, não há resposta. Então agora, uso minha língua impura para oferecer algumas preces, e então me silencio".Mas seu relato é incrivelmente moderno e atual. Mais adiante, no Hojoki, Kamo-no-Chomei diz:
para entender
o mundo de hoje,
meça-o contra a grandeza
do mundo
de muito tempo atrás".
o mundo de hoje,
meça-o contra a grandeza
do mundo
de muito tempo atrás".
As calamidades desta vida humana efêmera são retratadas com genialidade no Hojoki.
Nossa era é como a espuma que se forma em uma poça d'água, diz Chomei. Tão real ou tão irreal quanto eras passadas — e tão sentida quanto as calamidades de séculos atrás, tão esquecida como os desastres de outras galáxias e planetas.
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Abaixo os trechos iniciais.
HOJOKI
visões de um mundo em convulsão
O rio que flui nunca pára
e no entanto a água
nunca permanece
a mesma.
Espuma se forma
nas poças tranquilas
dispersando-se, reformando-se,
nunca durando muito.
Assim é com o ser humano
e todas suas moradas
neste planeta.
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Em nossa gloriosa capital
os telhados das casas
de nobres e comuns
desfilam todos alinhados, e parecem
estarem em duelo por proeminência.
Parecem ter durado
por geracões, mas olhe mais de perto —
aqueles que estão de pé há muito tempo
são realmente raros.
Um ano são derrubados
e no outro levantados novamente.
Grandes casas caem em ruínas,
para serem substituídas por casas piores.
Assim é também
com aqueles que nelas vivem.
O lugar em si
nunca muda
e tampouco as multidões
Ainda assim, de todas as muitas pessoas
que um dia conheci
apenas uma ou duas permanecem.
Elas nascem ao por-do-sol
e morrem enquanto surge a manhã
como aquela espuma
sobre as águas.
Pessoas morrem
e nascem —
De onde elas vêm
e para onde vão,
eu não sei.
E tampouco compreendo
as casas efêmeras que elas constroem.
Por quem se preocupam tanto?
O que pode ser tão agradável aos olhos?
Uma casa e seu dono
são como o orvalho que se acumula
nas flores da manhã.
Qual será o primeiro a desaparecer?
Algumas vezes o orvalho se vai
enquanto as flores permanecem.
Mas elas certamente secarão
sob o sol da manhã.
Algumas vezes as flores murcham
enquanto o orvalho nelas se agarra.
mas ele não sobreviverá
a este mesmo dia.
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Nos quarenta e poucos anos
desde que cheguei à idade
de entender o coração das coisas,
presenciei muitos acontecimentos horríveis.
Uma noite, muito tempo atrás,
— terá sido o vigésimo-oitavo dia
do quarto mês
do terceiro ano de Angen (1177) —
um ruidoso vento soprava.
Às oito da noite surgiu um fogo
no sudeste da cidade
e se espalhou para norte e para oeste.
O fogo finalmente atingiu
o portão sul do Palácio.
Este portão, assim como a Câmara do Estado,
a Universidade, e o Escritório do Interior,
todos queimaram até o chão em uma única noite.
Dizem que o fogo começou
em Higuchi-Tominokoji,
nos alojamentos de uma compania de dança.
Os ventos sopravam selvagemente —
para ali! para lá! —
e o fogo se espalhava
como um leque que se abre.
Casas longínquas
engolfadas por fumaça!
E mais perto, chamas famintas
lambiam o chão.
Um céu vermelho em toda parte!
Brasas brilhando,
acesas pelo fogo!
Chamas levadas
por implacáveis rajadas de vento
viajavam por bairros inteiros.
Quem, nisso tudo,
não se assustaria até a morte?
Alguns sufocados pela fumaça
caiam no chão.
Outros engolidos pelas chamas
morreram imediatamente.
Alguns poucos capazes
de se salvarem
perderam todos seus bens mundanos.
Muitos tesouros
reduzidos a cinzas!
Terrível
terrível perda!
O fogo destruiu
dezesseis casas nobres —
e quem sabe quantas mais? —
me disseram que um terço
de toda a capital.
Levas de homens e mulheres pereceram.
Incontáveis cavalos
incontável gado
também morreu.
Todos os afazeres de seres humanos são sem sentido
mas gastar toda sua fortuna
e se tormentar para construir uma casa
nesta cidade perigosa
é especialmente tolo.
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Então
no quarto mês
do quarto ano de Jisho
veio um grande vento,
que atingiu Nakamikado-Kyogoku
e soprou tão longe quanto Rokujo.
Destruiu três, quatro bairros da cidade.
Nenhuma casa, grande ou pequena,
uma vez tomada por este vento,
escapou intocada.
Algumas foram arrasadas até o chão
e outras deixadas
somente com colunas e vigas.
O vento arrancou portões
e os depositou a quarteirões de distância.
Derrubou cercas
e cada pedaço de terra
se juntou aos vizinhos.
Móveis e objetos das casas
eram jogados para o céu.
Palha e pedras
dançavam loucamente no vento,
como folhas de inverno.
Poeira subia como fumaça
de forma que nada podia ser visto.
O rugir do vento tão intenso
que nenhuma voz humana podia ser ouvida.
Os ventos do próprio inferno
devem ser assim altos!
Não apenas casas
foram destruídas.
Muitas pessoas também
se feriram e perderam partes do corpo
tentando salvar suas casas.
Então o vento se voltou para o sul
e causou mais sofrimento.
Ventos sopram com frequência —
mas alguma vez com tamanha força?
Foi tudo tão estranho e irreal
que pensei que só podia ser
um mau presságio.
(a continuar... este é só o começo das calamidades...)
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